A ficção de estar vivo

Tudo era uma afectação. O luar, o lápis na mesa levantada, a viola para um canto perto do aquário deitada. Gustavo via o horizonte e o horizonte inundava-o como um cheiro. Destravada, a voz do cantor rock nas colunas da aparelhagem lembrava-o da beleza dos improvisos. Mas, ainda assim, tudo lhe era caro ao espírito. Os livros, tudo o que acumulara. Às vezes, nem estava. Eram areias rápidas, pós orgásticas, fedores de sementes estranhas a si mesmo. Cambaleava os dias neste secreto piso de terras aquosas, nada estável. Acordava e era de cada vez um suplício manter-se acordado; as ervas e as silvas cresciam, o clímax de amantes distantes, tudo era certo. Na televisão, se a ligava, eles eles eles no seu ritmo psicótico, que caralho são eles?

As reconciliações fazia-as na noite. Punha a mesa e escrevia. Queria uma língua nova, um corpo novo, um estar e sentir diferente desta alteridade quotidiana feita de nada. Então, escrevia noite fora, não precisava de quem era, nem de quem pensava que era. Escrevia sobre a morte, de uma forma vertiginosa, tal como a descida da águia à presa no campo aberto. A morte era belíssima como a vida, pulsante, havia nela uma filosofia em termos evolutivos que o cativava. O outro lado, nunca o pensara, cátaro livre. Achava um lugar-comum nojento. Escrevia na morte uma revolta violenta da ficção. A beleza que não havia sido pensada.

Mas para que queria ele a lição da morte, se não como acumular de saber e uma certa serenidade alcançada nessa sabedoria? Ele sabia que enquanto maior era o refúgio que estava a construir na morte, melhor saboreava a vida. Por experiência. Haviam certos eventos do passado pessoal, e a necessidade da arte, que eram pontos inacessíveis de escuta e observação reprimidas pela virilidade da vida em puro êxtase desses demasiado jovens e burros. E imortais, por desgraça.

As faces sabiam-lhe a mesmo. Eles podiam ser alienígenas, pinos ou mágicos com necessidades sexuais apenas. Não amavam a beleza como secretamente Gustavo amava.

Ensolarado, de improviso, escrevia à morte para lhe medir a ficção de estar vivo.

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