Ou de nós, noutro tempo

As melhores imagens de literatura que se podem conceber vêm sempre da observação atenta dos outros. Se nos voltarmos demasiado para dentro, em breve secamos, e não dá chão literário. As imagens são ocas.

Um escritor que creio exemplificar extraordinariamente isto mesmo é Dostoiévski. Todos os seus livros. Mas há uma pequena novela, como que a tomar fôlego para o que se seguiria, que em português foi traduzida como Cadernos do Subterrâneo, em que o diálogo com o íntimo próprio de Dostoiévski, enquanto ser emancipado do leite e mel da infância, colide de frente com grande estrondo com o cenário social que o rodeia numa época pessoal de grandes metamorfoses. Conquistas, derrotas de um homem tímido e sensível; o homem à procura do seu lugar no mundo e, mesmo, à procura de si próprio. É o homem na sua bolha, observando as atitudes dos outros e pensamentos dirigidos a si. Ou seja, Dostoiévski observa o mundo fora da sua bolha e em como ele entra em contradição extrema no seu íntimo, indo, em jeito de comentário, recolhendo os golpes. Emocionando-se. Como bildungsroman existencialista muito peculiar.

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