O acaso corta a água?
É feliz; é feliz a ideia de cumular a faca à água. Essa imagem. A imagem, nervosa e que vem do dentro para o dentro, do belo filme [longa-metragem] de estreia de Roman Polanski, de 1962. Que, a não ser o minimalismo técnico e a plasticidade à deriva de uma língua própria, não parece uma primeira obra. É já crescida.
O estrangeiro, "vagabundo" e jovem, repete várias vezes que a faca não lhe serve de nada na água - lugar natural do homem do leme, o nosso Andrzej - não a corta; mas lá de onde vem, no mato, é-lhe útil. Está dado o tom: pseudo-subserviente enfrenta o autoritário. E o quanto é que apetece circum-navegar por uma retórica análoga à situação política da Polónia daquela era? É, apetece.
O Eros, todo ele Antonioni, neste filme de Polanski dá as voltas que quer pelo mar obscuro de lâminas que é a masculinidade e torce pescoços de pronto, ou não tivéssemos uma faca rasgando as águas silentes e pantanosas de um casamento fracassado. Como um sexo que retorna ao lugar de prazer, Andrzej é absoluto, personagem-sem-delírio, mas a cabeça estoura de ressentimento quando Krystyna arma a revolução que lhe estava há tanto por fazer e, sobretudo, dizer.
Porém, é tudo um caos calmo em êxtase de fogo-fátuo, filmado quase de forma bárbara, porque pequena e incalculável a adrenalina que corre entre este trio que nasce de um acaso. Não faz muito sentido falar do destino até que a última imagem do filme nos ensombra.
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